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Revista Alma

UM BRINDE TRAPISTA

 

Com a febre das cervejas artesanais, no Brasil e no mundo, a fama dos trapistas teve um segundo boom. Vivendo em comunidade, geralmente em locais isolados, os monges da Ordem Cisterciense de Observância Estrita* fazem voto de pobreza, castidade e obediência, mantendo a autossuficiência de seus mosteiros com o suor do próprio trabalho. É assim há séculos e um desses trabalhos, para nossa sorte, é a produção de cerveja.

 

Mesmo sem publicidade – a regra da ordem proíbe o lucro –, a fama da cerveja trapista ultrapassou fronteiras e criou uma rota de peregrinação aos mosteiros onde são engarrafadas obras primas como a Westvleteren 12, que tem a fama de ser a melhor do mundo, mas só é encontrada na Abadia de Saint Sixtus, no extremo oeste da Bélgica.

 

O monge escritor

 

Digite “trapista” no Google. Só dá cerveja. Mas houve um tempo, não muito distante, em que o campeão de citações seria Thomas Merton. Escritor, pacifista, místico e estudioso das religiões orientais, Merton foi um dos mais originais, ecumênicos e controversos líderes religiosos de uma época – os idos de 1960 – em que o mundo vivia entre duas guerras norte-americanas, a Fria e a do Vietnã. E, claro, foi um monge trapista.

 

Merton e o jovem Dalai Lama

Não fazia cerveja, mas escrevia. E muito. Doutor em literatura inglesa, ele foi crítico literário do “The New York Times” antes de abandonar tudo, rasgar dois romances não publicados e ingressar na Abadia Trapista do Getsêmani, nos Estados Unidos, com uma mala onde cabiam todos os seus pertences. Tinha 27 anos e mergulhou numa vida de contemplação e trabalho (ora et labora é um dos lemas trapistas), escrevendo e ouvindo Bob Dylan nas horas vagas que ninguém é de ferro.

 

Ao ingressar na vida monástica, Merton buscava silêncio e austeridade. Mas aos 33 anos, ao publicar “A Montanha dos Sete Patamares”, sua precoce autobiografia, encontrou o reverso da moeda: sucesso e notoriedade. A Montanha vendeu seiscentos mil exemplares, só no primeiro ano, e lançou os olhares do mundo para um dos personagens mais marcantes e originais daquele século.

 

Nenhuma religião é uma ilha

 

A Abadia de Getsêmani despertou um interesse raro para um mosteiro, o que não deixava de ser um problema, já que o silêncio é um valor fundamental para os trapistas.

 

Mas Merton não estava disposto a silenciar. Não em tempos tão sombrios. Equilibrando-se entre a regra de sua ordem e a necessidade de expressão, o monge viveu numa queda de braço permanente com a instituição e consigo mesmo. De sua cela gelada, refletiu e escreveu sobre as questões mais importantes de seu tempo: segregação racial, não violência, diálogo inter-religioso, ecologia, ameaça nuclear e a terrível Guerra do Vietnã. Ao conhecer as religiões da Ásia, o trapista teve uma epifania: “Serei melhor católico se puder afirmar a verdade que existe no catolicismo e for além.”

 

Leia sem moderação

 

E ele foi. Aprofundando-se no estudo do Budismo, tornou-se próximo do japonês D. T. Suzuki, do vietnamita Thich Nhat Hanh – de quem se dizia “irmão” – e do tibetano Dalai Lama, que conheceu ainda jovem. Coincidência ou não, o trapista morreu durante um encontro entre cristãos e budistas em Bangkok, na Tailândia. Tinha 53 anos e deixou mais de 60 livros, vários deles publicados no Brasil. Delicados e densos, eles harmonizam à perfeição com uma boa e velha Westvleteren 12. Embriagam, igualmente, mas podem ser lidos sem moderação.

 

* Ordem Cisterciense de Observância Estrita é o nome oficial da Ordem Trapista

 


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