PIERRE VERGER E O SEGREDO
Nascido em Paris, em 1902, Pierre Verger teve uma vida de playboy até os 30 anos, quando partiu pelo mundo com sua Rolleiflex e trabalhou pela primeira vez na vida. Com sede de novidade, cruzou cinco continentes sem jamais fixar raízes e tornou-se um dos maiores fotógrafos de seu tempo. Em 1946, influenciado pela leitura de Jubiabá, de Jorge Amado, chegou a Salvador a bordo de um velho vapor, o Comandante Capela, e nunca mais deixou a cidade. Tinha 44 anos.
Bem, nunca é uma palavra que não se aplica à Verger. Contratado pelo Instituto Francês da África Negra (IFAN) em 1948, o fotógrafo começaria uma nova vida na Bahia de Todos dos Santos: a de pesquisador. Por 17 anos, ele transitou entre Salvador e a costa da África, convivendo com sacerdotes do culto aos Orixás e impregnando-se, como nenhum outro estudioso, da tradição oral dos iorubás. Mas estava longe de ser apenas pesquisador.
No terreiro baiano do Axé Opô Afonjá, Verger foi proclamado Oju-Obá, os olhos de Xangô – aquele que tudo vê, que tudo sabe. Na África, tornou-se babalaô – literalmente “pai do segredo” –, um iniciado no oráculo que define, ou melhor: que revela praticamente tudo no Candomblé, inclusive os Orixás que regem a vida e o destino de cada indivíduo.
Como sacerdote, Verger tinha um compromisso institucional com o segredo. Como pesquisador, um compromisso profissional com a indiscrição. Administrar essa dupla condição foi a grande obra do francês, a quem muitos consideravam bruxo. Inclusive a mulher de Jorge Amado, Zélia Gattai.
Os mistérios de Verger
Ao preparar um livro sobre Jorge, ela queria uma foto de Verger, que teimava em se esquivar. Voluntariosa, Zélia não pensou duas vezes: esperou o francês se distrair e deu uma de paparazzi. Mas ao revelar o filme, dias depois, todas as fotos estavam boas, menos as do babalaô.
A história se repetiu no aniversário de 80 anos de Mãe Menininha. No famoso terreiro do Gantois, três gravadores colhiam os depoimentos dos presentes, inclusive o equipamento de Zélia, mas nenhum deles captou a voz de Verger, apenas a dos outros entrevistados. Há várias histórias como essas envolvendo o francês.
Entre dois mundos
Mesmo assim – ou por isso mesmo –, sempre me surpreendo com o documentário “Pierre Fatumbi Verger – Mensageiro entre Dois Mundos”, de Lula Buarque de Hollanda. Apresentado e narrado por Gilberto Gil, ele é o melhor registro sobre a vida de Verger, mas traz uma declaração, dele próprio, que até hoje me intriga: a de que seria um francês racionalista e, portanto, não acreditava nos Orixás (que seriam uma manifestação do inconsciente individual). Mas qual Verger respondeu a Gil, o pesquisador ou o “pai do segredo”?
Nunca saberemos. No dia seguinte à entrevista, 11 de fevereiro de 1996, Verger morreu, deixando uma obra que todos nós, brasileiros, precisamos conhecer.
REVISTA ALMA – ESPIRITUALIDADE CONTEMPORÂNEA
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