LUZ SOBRE A TRADIÇÃO
Ao publicar o livro Vegan Yoga, em 2014, o mineiro Oberom causou um abalo sísmico nas convicções de estudiosos, professores e praticantes de Yoga por sugerir que as diretrizes éticas formuladas por Patañjali no Ashtanga Yoga – a base filosófica do Yoga, escrita há 2.300 anos – apontariam para os princípios do veganismo. Houve quem discordasse, claro, mas o livro não só abriu o debate como estimulou vegetarianos a darem mais um passo e carnívoros a darem um salto, assumindo a causa animal como decorrência de uma conduta yogue coerente.
Mas ao questionar – ou melhor: ao se aprofundar na interpretação do texto clássico de Patañjali, Oberom se deparou com uma pergunta ainda mais abrangente: até que ponto a tradição tem sido compreendida e vivenciada à luz de nossas questões contemporâneas?
Muco: o documentário
Nascia o argumento de Muco, documentário que amplia e universaliza o debate proposto em Vegan Yoga, convidando líderes espirituais, estudiosos do Yoga, cientistas e lideranças de várias áreas para opinar e refletir. “Rodado em inglês, o documentário investiga como a tradição tem se posicionado ante desafios contemporâneos como meio ambiente, sustentabilidade e ética”, explica Oberom, que tem 32 anos e uma longa trajetória no estudo e no ensino do Yoga, além de três livros publicados.
Para ser coerente com sua essência, a tradição precisa dialogar com as questões fundamentais de nosso tempo
O mineiro compartilha a produção de Muco com seu irmão Samadhi e a Produtora Maha Vídeo, do casal Orlando Chavatta e Cél Bittencourt. Em novembro de 2016, os quatro montaram uma operação de guerrilha e embarcaram em viagem pela Índia, Estados Unidos e Brasil, colhendo opiniões e histórias tão marcantes quanto as que viveram ao longo das gravações.
No berço da tradição
“Como não tivemos apoio financeiro para as filmagens, esticamos as economias para realizá-las no tempo que tínhamos em cada país. Qual o termo abaixo de roots?” sorri Oberom. “Só andávamos de ônibus e trem, nas classes mais baixas que se pode imaginar e com todo equipamento de filmagem. Passamos noites inacreditáveis, como em Mumbai, num lugar que já foi um hotel de luxo, mas hoje é uma ruína mal assombrada. E isso para ser otimista”, diverte-se o mineiro.
Foram três meses na Índia, de novembro a fevereiro, e o baixo orçamento não comprometeu o acesso aos entrevistados. O quarteto percorreu 18 cidades e realizou 23 entrevistas, em várias regiões do país. Ouviram ambientalistas, ministros de estado, profissionais de saúde e lideranças religiosas como Sri Sri Ravi Shankar e Prem Baba, analisando tradição e costumes à luz dos princípios de Patañjali e de desafios contemporâneos em temas como lixo, água, saúde e igualdade de gêneros, por exemplo. “Há depoimentos surpreendentes e bastante emocionantes como o do próprio Prem Baba, que entrevistamos num fim de tarde em Rishikesh”, conta o mineiro.
Novos caminhos
Os bastidores de Muco dariam outro filme. A história de cada encontro, opiniões trocadas longe das câmeras e a cumplicidade quase imediata com figuras como Sharon Gannon, do icônico Jivamukti Yoga Center, um dos estúdios mais antigos e influentes de Nova Iorque, onde Krishna Das, que também foi entrevistado, começou a cantar em 1994. “Sharon é muito engajada, não só no Yoga, mas também na causa da consciência humana e na superação das questões que abordamos no filme. Escutá-la foi muito rico e animador”, conta Oberom. “Outro encontro marcante foi com David Frawley, diretor do Instituto Americano de Estudos Védicos, a maior autoridade nos Vedas do Ocidente. Foi a primeira vez que ele recebeu uma equipe de filmagem em sua casa.”
No Brasil, Oberom e sua equipe ouviram figuras importantes do universo do Yoga como Thiago Leão, neto do Professor Hermógenes, e a cardiologista e ativista da consciência alimentar Renata Coelho. Foram mais de 50 entrevistas, nos três países, compondo um amplo painel de opiniões em torno de uma questão clássica, em todas as tradições, mas urgente como nunca nos dias de hoje: separar essência de aparência. Ou o que não pode ser mudado do que não pode deixar de mudar.
O documentário Muco está em fase de finalização e precisa de seu apoio. Acompanhe em www.facebook.com/mucodoc/
Editor e publisher da Revista Alma, Gustavo São Thiago trabalhou na grande em imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, especialmente na área de cultura. Estudioso autodidata das religiões, o jornalista finaliza sua primeira obra de ficção, o romance “Impermanência”, e medita diariamente.