MAR DE HISTÓRIAS
A produção audiovisual espírita deu passos importantes nos últimos anos. A adaptação de obras fundamentais como “Nosso Lar” e a construção de relatos biográficos como “Chico Xavier – o filme” atraíram o grande público e estabeleceram um novo padrão de qualidade para o segmento. Exibidas em 2010, ano em que Chico completaria seu centenário, as duas obras se tornaram referências numa trajetória de quase quatro décadas iniciada com o longa “Joelma – 23º andar”, em 1979.
De lá para cá, a cinematografia espírita se desenvolveu em duas linhas principais. Na documental, pioneiros da doutrina como Eurípedes Barsanulfo e médiuns notáveis como Peixotinho e o próprio Chico Xavier tiveram suas vidas retratadas. Na ficcional, a qualidade das adaptações aumentou, assim como seu público, à medida que essas produções e suas equipes se profissionalizaram.
A 1ª Mostra de Filmes Espíritas do Rio de Janeiro exibe essa rica trajetória entre os dias 22 e 28 de setembro, no Cine Odeon, no Centro da capital carioca. Nesta entrevista exclusiva, o produtor e curador da mostra, Oceano Vieira de Melo, analisa essas obras e o percurso da temática espírita no cinema.
RA – O que veremos na 1ª Mostra de Filmes Espíritas do Rio de Janeiro?
Selecionamos 11 documentários, 9 longas e 14 curtas-metragens, cobrindo quase quatro décadas de produção audiovisual de temática espírita. Para enriquecer a experiência do público, organizamos debates com os principais diretores, além de uma feira de livros. O público tomará contato com essas obras, aprofundará o conhecimento sobre o espiritismo e refletirá conosco sobre essa produção, que jamais foi vista de maneira tão ampla e em seu conjunto.
RA – Quanto desse material é inédito?
Parte dessa produção foi elaborada para TVs a cabo e DVD, mas a tecnologia atual nos permitiu exibi-la com qualidade no cinema. Alguns dos filmes serão vistos pela primeira vez na tela grande. Além disso, pesquiso a produção audiovisual há 15 anos e preparei um material que julgo precioso do ponto de vista histórico para complementar a mostra. Ele será exibido ao início de cada sessão, em curtas-metragens. Será uma grande surpresa.
RA – Poderia adiantar algo sobre eles?
Descobrimos um filme raro de Nelson Pereira dos Santos, “Uma mensagem de Chico Xavier”. Nelson é um de nossos diretores mais premiados e esteve com o médium mineiro em 1972. Fizemos um grande esforço para localizar esse material e digitalizá-lo para a mostra. No curta “Um encontro histórico”, há registros de uma viagem de Chico Xavier e Waldo Vieira aos Estados Unidos, em 1965, nos locais onde viveram as irmãs Fox. Outro registro histórico está em “Arautos da verdade”, com imagens raras da médium Yvonne do Amaral Pereira. Muitos vão se emocionar, tenho certeza.
RA – Após 40 anos de produção audiovisual, já temos distanciamento para dividir essa produção em fases?
Sem dúvida. Consideramos que o primeiro filme com temática espírita foi “Joelma – 23º andar”, de 1979. O curioso é que este obra inaugural não nasce de um espírita, mas de um diretor bastante ativo na época, Clery Cunha, que criou uma história original e de interesse do grande público a partir de uma mensagem psicográfica de Chico Xavier. Mas depois de Joelma houve um lapso de quase 15 anos até uma nova produção de temática espírita.
RA – O que produziu esse lapso?
Vivíamos um período problemático da Embrafilme – que determinava a política de financiamento, produção e distribuição dos filmes brasileiros – e a temática religiosa era vista como algo menor. Neste período, a divulgação do espiritismo por meio audiovisual foi feita predominantemente pela TV, abordando o “fenômeno” Chico Xavier, sobretudo em programas jornalísticos.
RA – Quando a produção foi retomada?
Houve uma iniciativa pontual da própria Federação Espírita Brasileira – FEB, em 1995, com “Espiritismo – de Kardec aos dias de hoje”. Com narração da atriz Aracy Balabanian e o ator Ednei Giovenazzi no papel do codificador, o filme foi uma iniciativa importante, mas teve exibição e influência limitadas e não teve força suficiente para alimentar um novo ciclo. Aguardamos quase uma década para termos novas produções e um pouco mais que isso para termos o primeiro filme com um público realmente expressivo. Exibido em 2008, “Bezerra de Menezes – o diário de um espírito” levou mais de 500 mil espectadores aos cinemas. Foi um marco.
RA – A que se deve, na sua opinião, o sucesso do filme?
Para nós, espíritas, nada é coincidência. A princípio, este filme seria um documentário distribuído em DVD, apenas, mas durante as filmagens o projeto cresceu e tomou um novo rumo. Tornou-se um longa-metragem de ficção e, com o apoio da Fox Film do Brasil, atraiu um forte investimento em divulgação, além da adesão dos exibidores. Orçado em R$ 2,4 milhões, o maior investimento em um filme de temática espírita até então, o longa teve um forte retorno de bilheteria, mostrou o potencial deste segmento e elevou o filme de temática espírita a um novo status na cadeia cinematográfica.
RA – Como esse resultado impactou na produção audiovisual espírita?
Além da boa sequência de filmes do próprio diretor de Bezerra, Glauber Filho, tivemos um processo acelerado da profissionalização no segmento, atraindo atores, produtores e diretores importantes e com experiência. Podemos falar em produtores como Bruno Wainer, Eduardo Girão e Iafa Britz, em diretores como Wagner de Assis e Daniel Filho, além de atores consagrados como Nelson Xavier, Ângelo Antônio, Tony Ramos, Christiane Torloni e muitos outros. Juntos, “Nosso Lar” e “Chico Xavier – o filme” levaram mais de 7 milhões de expectadores aos cinemas. O primeiro teve uma das maiores bilheterias de todos os tempos em nosso país.
RA – “Chico Xavier – o filme” não precisa ser visto necessariamente como um filme espírita. É um filme para todos os públicos sobre um personagem real com uma grande história de vida, não é verdade?
Esse é um ponto importante. Valorizamos a temática espírita por acharmos que ela traz uma compreensão importante da vida e conceitos que podem enriquecer os indivíduos e torná-los mais felizes. Mas estamos falando de arte e de cinema e esses conceitos precisam estar a serviço da história que vai ser contada, e não o contrário. O filme de Daniel Filho é fantástico nesse sentido. O que atraiu um diretor de sua importância foi a força de Chico como personagem e como história. Ou seja: havia uma boa história para ser contada. O mesmo motivo fez Clery Cunha filmar “Joelma” e Clint Eastwood filmar “Além da Vida”, um filme que poderia estar tranquilamente numa mostra internacional de cinema de temática espírita.
RA – O universo espírita é uma fonte de boas histórias, então?
Não tenho a menor dúvida. Como todos sabem, o espiritismo tem uma forte relação com os livros. Vários deles apresentam histórias que valem à pena ser contadas e que são perfeitamente adaptáveis para o cinema. Estamos acordando para isso. A literatura espírita é um universo de grandes histórias. E o cinema vive delas.
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1ª Mostra de Filmes Espíritas do Rio de Janeiro
De 22 a 28 de setembro
Espaço Cultural Luiz Severiano Ribeiro – Cine Odeon
Praça Floriano, 7, Centro (Cinelândia) Rio de Janeiro.
Mais informações em www.mostradefilmesespiritas.com