IRRESISTÍVEL COMO CAYMMI
Somos um país curioso. Comemoramos os 50 anos dos Afro-sambas de Vinícius de Morais e Baden Powell, aquele do Canto de Ossanha e da mandinga de amor, cantamos “não mexe comigo que eu sou a menina de Oyá” a plenos pulmões no carnaval e lançamos flores para Iemanjá no réveillon. Mas torcemos o nariz para quem faz o mesmo, ao longo do ano, em nossos milhares de terreiros de Candomblé e Umbanda. Amamos o dendê, mas condenamos o padê.
Intolerância: tema do ENEM
Somos confusos quanto a nossa herança espiritual de origem africana. Isso para dizer o mínimo. As escolas têm culpa no cartório, claro, mas atire a primeira pedra quem conversou com o filho ou o sobrinho sobre o tema da redação do ENEM deste ano: “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”. O tema muda no ano que vem, mas não passaremos no vestibular de pais, educadores e professores se não fizermos nossa parte antes de renovar os pedidos a Iemanjá.
Um livro para todos
Se precisar de ajuda, vai aqui uma sugestão. Um livro. “Modupé, meu amigo”, da Editora Pallas. Tem apenas 40 páginas, foi escrito para jovens e é o ponto de partida perfeito para uma conversa sobre preconceito e o que sabemos, pouco ou muito, sobre espiritualidade afro-brasileira. Ao escrevê-lo, a antropóloga ítalo-francesa Stefania Capone e o professor de Geografia Leonardo Carneiro se inspiraram em personagens e situações reais, sintetizando todo um universo cultural na amizade de dois colegas de escola.
Convidado pela família de Anderson para uma viagem de fim de semana, Fabinho acompanha uma festa de Iemanjá na praia e é tomado de curiosidade. Ao descobrir que o amigo pertence e esse universo religioso, começa a fazer perguntas e a descobrir palavras, divindades e novos conceitos de vida. Uma introdução fascinante e acessível às tradições religiosas afro-brasileiras. Um livro para todos. Jovens ou não. Simples e irresistível como uma canção de Caymmi.
Modupé, meu amigo – Stefania Capone e Leonardo Carneiro [Editora Pallas]
Leia alguns trechos:
“(…) Mas nem todas são na praia. Tem festas que são feitas na mata, outras em cachoeiras, mas a maioria acontece dentro dos terreiros e barracões, que são os tempos dessas religiões. Tem festas para todos os orixás e elas são diferentes umas das outras. Por exemplo, na festa de Xangô acende-se uma grande fogueira; no Olubajé, que é a festa de Omolu, serve-se um banquete no chão do barracão; e na festa de Oxum enfeita-se o barracão, o salão das festas, com flores amarelas e serve-se o ipeté, que é uma comida feita de inhame. E, Anderson, as pessoas que quiserem podem, sim, assistir a essas festas.”
“(…) porque eu vi uma festa de Iemanjá lá na praia, fiquei curioso e fui aprender sobre os orixás. E aprendi um monte de coisas muito interessantes… Aprendi que as matas, as cachoeiras e até as pedras e o pôr do sol são sagrados para essas religiões. Aprendi que nelas as pessoas devem viver em harmonia com os orixás, que são as forças da natureza e que, por isso, devemos viver em equilíbrio com ela. Mas também aprendi que existe muito preconceito. Eu acho que se quisermos que tratem a nossa religião com respeito, também temos que respeitar as religiões dos outros. Especialmente essas que são tão importantes para a cultura brasileira.”
REVISTA ALMA – ESPIRITUALIDADE CONTEMPORÂNEA
Editada por jornalistas, a Revista Alma propõe um novo olhar sobre a espiritualidade, oferecendo um contraponto à visão da grande mídia e ao discurso institucional religioso para retratá-la com originalidade em suas diversas manifestações. Religião, saúde, comportamento, cultura e busca pessoal.
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