NAMASTÊ, PROFESSOR HERMÓGENES!
No princípio, foi uma tuberculose. José Hermógenes de Andrade Filho tinha 35 anos e era professor – mas não de Ioga. Capitão do Exército, ele dava aulas de História no Colégio Militar do Rio de Janeiro quando recebeu o diagnóstico que mudaria sua vida: tuberculose. Era ano de 1958 e a cura, incerta, passava pelo doloroso pneumotórax.
Após dois anos de tratamento, o quadro demandou uma cirurgia. O procedimento – introdução de cateteres no pulmão para cauterizar as feridas – dispensava anestesia (na época feita com gases inflamáveis) e o paciente não podia gritar nem se mexer.
Bhagavad Gītā: o começo
Para enfrentar o martírio e resignar-se a uma vida de restrições, o paciente se valeu da leitura. Filosofia, espiritismo e hinduísmo, sobretudo uma obra que o marcaria para sempre: o Bhagavad Gītā, o inspirador diálogo entre Krishna e seu discípulo Arjuna.
A cura de Hermógenes surpreendeu os médicos, mas sua recuperação foi demorada. Gordo, sedentário, insone e sem perspectivas, o paciente estava longe de se sentir saudável. Foi quando o primeiro manual de Hatha Yoga caiu em suas mãos: Yoga and sports, de Elizabeth Haich e Selvarajan Yesudian.
Ioga no banheiro
Hermógenes ficou fascinado. Convalescente e cercado de restrições – estava proibido de pegar sol, ir à praia, andar descalço e manter atividades físicas – aderiu ao método secretamente e por sua própria conta e risco. Trancava-se no banheiro, escondido dos médicos e da família, e praticava as posturas (ásanas) por mais de uma hora diária.
O crime, neste caso, compensou. Em um ano, já era outro homem. Magro, animado, sem o menor sinal de insônia e com um mundo novo diante de si – o mundo do Ioga – sem falar na enorme disposição para conhecê-lo e compartilhá-lo.
Aulas na garagem
Quando se deu conta, dava aulas de Hatha Ioga, gratuitamente, em uma garagem improvisada de academia. Só depois de muita prática e pesquisa publicou o primeiro compêndio em português sobre o método: Autoperfeição com Hatha Yoga.
Foi uma revolução. Na vida do autor e na de milhares de pessoas.
Era o ano de 1960 e Hermógenes recebeu uma enxurrada de cartas para que ampliasse suas aulas e não parasse mais de falar e de escrever sobre Ioga. Choveram convites para palestras e entrevistas e a garagem improvisada ficou pequena.
Em 1962 – com alguma relutância, pois preferia não cobrar pelas aulas – surgiu a pioneira Academia Hermógenes de Yoga. Da 12º andar da Rua Uruguaiana, 118, no Centro do Rio de Janeiro, saiu uma legião de praticantes e dezenas de professores de Ioga ao longo de cinco décadas. (Hoje a academia está na rua 1º de março, sob a direção de Thiago Leão, que é neto de Hermógenes).
Professor Hermógenes
Do José de seu primeiro nome ninguém se lembra. Ficou o “Professor”, e nada é mais justo. Hermógenes foi um educador e um mestre, embora recusasse o crédito de “guru”. Filósofo, poeta, escritor e terapeuta, ele escreveu mais de 30 livros. Foi vice-presidente da Sociedade Teosófica no Brasil, inaugurou o Centro Bhagavan Sri Sathya Sai Baba do Rio de Janeiro, de quem foi devoto e traduziu algumas obras, e é considerado um pioneiro em medicina holística no Brasil.
Risoterapia
Mas como esse homem de fala mansa e um metro e sessenta tornou-se uma referência para gente que nunca fez um ásana é um fenômeno interessante. Além de escrever, dar aulas e realizar palestras sobre Ioga, Hermógenes sempre estimulou a busca espiritual mais profunda e o diálogo inter-religioso. Falou em igrejas, centros espíritas, sinagogas e templos diversos e conheceu líderes espirituais como Sai Baba, Teresa de Calcutá, Krishnamurti, Chico Xavier e o Dalai Lama. Como o último, tinha uma característica peculiar: o bom humor. Hermógenes sempre tinha uma piada para mostrar que a espiritualidade não pode ser engessada por formalidades nem teorias complicadas. Era claro, sincero e quase sempre engraçado. Com isso, reunia pessoas totalmente diferentes para ouvir um assunto que, há cinco décadas, estava longe de estar na ordem do dia: espiritualidade.
Editor e publisher da Revista Alma, Gustavo São Thiago trabalhou na grande em imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, especialmente na área de cultura. Estudioso autodidata das religiões, o jornalista finaliza sua primeira obra de ficção, o romance “Impermanência”, e medita diariamente.